38 semanas de gestação
6h07
- Babe, babe... Acho que a minha bolsa estourou.
- Anh, que?
- Minha bolsa. Estou perdendo muito líquido. Fazendo xixi sem controle...
- Claro que não, babe. Bolsa estourada faz “chuááá”. Vem dormir.
- Não, babe, é sério.
Confirmado o rompimento. Liga pra médica, liga para doula,
vamos pro hospital... E eu ali pensando: “E agora? Por enquanto, não sinto
nada. Quando e como começa? Tanto dia para nascer e a Bethânia escolhe quando
estou gripada. Será que vou conseguir?”
Me mandaram tomar banho, comer, dormir e descansar, porque o
dia ia ser longo. Mas como dorme? Minha cabeça era um turbilhão. Relaxei um
pouco com uma massagem da minha irmã, mas o foco estava nas sensações do corpo.
Uma cólica suave (semelhante à menstrual) ia e vinha e uma vontade intensa de
ir ao banheiro.
Marido agoniado. Tá bom, vamos para o hospital. No caminho,
o som me presenteou com a linda voz de Clara Nunes: “Raiou,
resplandeceu, iluminou. Na barra do dia o canto do galo ecoou. A flor se
abriu...” Chorei. Estava aí a trilha sonora do nascimento da minha pequena.
Ao chegar, a dra. J. examinou: 1cm de dilatação. “Vai pra casa.
Relaxa. Quando as contrações estiverem de 5
em 5 minutos vocês voltam.” Casa??? Nem pensar, a minha casa é muito longe. Fui
pra sogra. No caminho, aquela colicazinha foi se transformando em colicazona. Em
meia hora, eu já não conseguia relaxar mais. “Marca aí no celular, babe”. “Foi
forte, fraca ou média?” “Sei lá, acho que foi fraca, pensando que ainda vai
piorar, mas foi forte...” “Outra, marca de novo.” “Foi forte?” “Não sei, só
marca!” Em menos de uma hora, as contrações ficaram de 5 em 5 minutos. Liga pra
doula. Liga pra médica. Volta para o hospital.
Na maternidade, me encaminharam para o pré-parto, porque não
havia quarto disponível, e a médica, que estava no centro cirúrgico, tinha de solicitar a internação. “Será que só eu percebo que o bebê tá nascendo? Pelo
amor de Deus, me leva para um quarto!!!” Marido rodopiando tentando ajudar. Minha
doula, a R., chegou. Honestamente, não sei como alguém consegue parir sem esse suporte.
Foi essencial. As contrações iam e vinham de 3 em 3 e bem intensas. Às 13h30,
fui tocada e 3cm: “Meu Deus! Ainda faltam 7cm??? Isso vai durar o dia todo. Será
que vou aguentar?”
Entrei no chuveiro. Na água quente, aproveitei cada segundo de
não contração para descansar. Chegava quase a dormir, quando vinha outra me
apertando. De repente, já não era mais possível me sentar ou me mexer direito.
Me arrastei até a maca e, depois de um novo toque, a notícia da médica: “Abriu tudo. A
cabeça taí. Vamos lá. Enfermeiras, vou fazer o parto aqui mesmo”. O hospital ainda não tinha me arrumado um quarto. Minha filha ia
nascer ali, sem estrutura, sem material esterilizado, sem condições. Enfim,
vamos lá.
De repente, o meu corpo começou a me pedir para fazer força. Uma ação totalmente irracional, puro instinto. A cada contração, aquele movimento surgia.
A força mais incrível que já senti. Nem acreditei que existia algo tão intenso e lindo dentro
de mim. E, de repente, na hora do “tá coroando”, entra o pediatra do hospital (vamos
chamá-lo aqui de Dr. Aloprado) chutando a porta e gritando com a médica: “P..., dra. J. Como você está fazendo o parto aqui, sem estrutura. Esse bebê não pode nascer
nesse ambiente contaminado, não tem nem oxigênio”. E saiu para buscar o oxigênio.
Todos atônitos na sala. Eu, de cócoras, em cima da maca, apoiada no marido e na
doula, e sem entender ao certo se aquilo tinha
acontecido mesmo.
Outra contração, mais força, está saindo. “Nossa, que calor,
que sensação incrível!”. Dr. Aloprado entra novamente na sala: “Não acredito, dra., que
você está fazendo esse parto aqui. É um absurdo! Blá, blá, blá...” “O SENHOR
PODE FAZER O FAVOR DE CALAR A BOCA!?!?” Boa, marido! Mandou o Dr. Aloprado se
calar, e pudemos aproveitar os últimos segundos da nossa neném saindo de dentro
de mim, com um grito tão profundo que demorei alguns segundos
para recobrar a consciência. Será que o médico não percebeu que tinha uma
mulher parindo?
Um lindo milagre! Às 15h10, Bethânia chegou ao
mundo com os curiosos olhos abertos e um chorinho tranquilo. Logo pegou
o peitinho cheia de apetite.
“Nossa, ela é linda! Você acredita que a gente fez essa coisa maravilhosa? Narigudinha,
né?”
E os telefones não paravam e todos festejavam a
chegada da princesa. A cada “É a cara do pai, mas tem a orelha e o nariz da mãe”,
eu pensava: “É... acho que sou nariguda!”
Música do dia: http://letras.mus.br/clara-nunes/127958/